A amêndoa e o cimento
Antunes Ferreira
O que Pedro Passos Coelho disse na entrevista que concedeu ao CM – na semana que passou deu mais três, honny soit – é, sobretudo, vergonhoso para ele próprio, mas também para o Executivo que nos quer executar. Indicar para os professores sem trabalho que a solução é emigrar - é um escarro. As vozes que contra essa infâmia se levantaram foram de um a outro extremo do quadrante político.
Acontece até que, julgo que por uma vez, concordei com Mário Nogueira, o patrão da FENPROF, coisa que considerava impensável, pois as frequentíssimas aparições dele em tudo o que é Comunicação Social sempre me causaram um amargor enorme, até mesmo azia. Desta feita, não. PS, PCP, BE e por aí foram não pouparam Coelho, a que uso chamar normalmente o Passos da crise.
Uma vez mais sobressaiu o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Na sua habitual intervenção dominical na TVI, o comentador enciclopédico disse que o primeiro-ministro dissera o que não devia ter dito – como… primeiro-ministro. Em tom irónico, com que tantas vezes esgrima e desanca, comentou que o chefe do Executivo não podia ser… comentador político.
Marcelo tem a habilidade de um equilibrista, mesmo na corda bamba. Dá uma no cravo, outra na ferradura. Não admira: os sujeitos a quem se dirige não conseguem ter os pés quietos. A imagem não é minha, foi utilizada no Parlamento da I República, mas gosto tanto dela que a uso a torto e a direito. Mas, entendo que não vale a pena chamar à colação o seu autor.
Passos Coelho parece não ligar o que quer que seja do alto da sua importância de risca ao lado. Escuda-se na maioria que o elegeu, na inevitabilidade dos aumentos de tudo o que é possível, na austeridade da desgraça, na ausência de alternativa, na certeza de tomar o caminho certo. Nada nem ninguém o fará desviar um milímetro que seja da rota que traçou. E do Conselho de Ministros informal em São Julião da Barra saíram quatro intenções para o desenvolvimento da economia portuguesa já neste ano que já está ali à esquina. Que não passaram disso. Se havia ingénuos que esperassem outra coisa, desenganaram-se, por certo.
O governante carrega o sofrimento como uma cruz sobre os ombros elegantes; arvora um ar de mártir, ainda que obrigado a salvar a Pátria, mesmo que ela não quisesse ser salva. Muitos disseram que o caminho para o triste entrevistado era… emigrar. Acrescentaram, porém, que, face à encomenda, os destinatários o recusassem e o devolvessem à procedência. A ideia inicial seria interessante; o resultado uma desgraça. Os remetentes estariam pior do que antes de o enviar. Ou seja, pior a amêndoa do que o cimento.