domingo, 4 de setembro de 2011

Uns e os outros

Margarida Maria
Não, este texto não se refere ao famoso filme Les Uns e Les Autres, mas sim a uns e a outros que passam e cruzam as nossas vidas. Foi uma velhinha que se cruzou na minha e me deixou com vontade de criar um grupo terrorista e andar à chapada. 

Abeirou-se de mim muito devagar, delicadamente, pedindo para me dar «uma palavrinha». O aspecto era limpo e cuidado. Tinha 84 anos e o centro de dia estava fechado para férias. Já eu me via a fazer-lhe um bocado de companhia quando ela me disse que o problema era que ainda não tinha comido nada, que nunca pediu nada a ninguém, que foi empregada doméstica, mas não pode trabalhar mais, que a pensão não chegou para os medicamentos, aviados na farmácia à confiança, e que, se eu pudesse, lhe podia «dispensar» algum a coisa para comprar um pão.

De repente, o dia de sol na belíssima Baixa de Lisboa pareceu-me apagado. A velhinha – 84 anos feitos em Agosto, que criou os meninos todos de uma família («estão todos de férias lá para o México»), que tem o centro de dia fechado, que não conseguiu pagar todos os medicamentos e que apresentava o seu Bilhete de Identidade para atestar a sua honradez, com a sua dignidade –, ofuscava qualquer Lisboa brilhando ao sol.

Porque nesse mesmo dia a Comunicação Social fazia eco de que o Governo, em dois meses, nomeou 500 (quinhentos) assessores. E também foi em Lisboa que isso aconteceu, numa capital de um País gerido troikianamente mas só para alguns. Seguramente para a velhinha a quem dei todos os euros que trazia na carteira. Porque eu ainda posso deixar de tomar café e de almoçar, mas a velhinha… E apetece-me recorrer a Augusto Gil e à Balada da Neve para adulterar: E aos velhinhos, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!
__________
NE – Com este texto da jornalista Margarida Maria (que comigo trabalhou anos a fio no Diário de Notícias, que também escreve na Travessa e que continua a ser uma excelente Amiga), iniciam-se as colaborações para este blogue. Aos que desejarem contribuir com artigos, aqui se deixa, para conhecimento e cumprimento, o Estatuto Editorial dele:

A – Devem escrever no máximo 2.200 caracteres (incluindo espaços) e indicar título;

B) Os trabalhos serão sempre assinados. Não se aceitam anónimos;

C) O Editor reserva-se o direito de não publicar qualquer texto que entenda não corresponder a regras de bom senso, boa educação e não sectarismo ou que sejam apelos à violência, ao consumo de droga, à corrupção e mais procedimentos classificáveis como crimes.

D) As colaborações devem ser remetidas para o e-mail: hantferreira@gmail.com
Muito obrigado

13 comentários:

  1. Recordo uma conversa, há já tempos, com uma amiga, sobre o que mais lastimar: se um(a) velhinho(a) pobre e só ou uma criança esfaimada e andrajosa. Defendi, então, o que mantenho, que me faz mais impressão o/a velhinho/a. E isto porque estará no fim da vida, sem réstea de esperança, e a criança ainda está no começo e com sorte esforço ainda poderá aspirar a uma vida decente. Quer me diz o AF?

    ResponderEliminar
  2. Quinhentos

    Um dilema é sempre um dilema. E optar é sempre difícil; mas há que o fazer, sob pena de cruzarmos os braços.

    Vou pela tua resposta. Ver sofrer uma criança é penoso e revoltante; uma velhinha também. Mas à criança sobra tempo para se safar. à idosa - não

    Abç

    ResponderEliminar
  3. Quinhentos

    O hantferreira@gmail.com não tem tido qualquer problema, pelo menos de que eu tivesse tomado conta.

    Espero que também aqui sejas meu seguidor; obrigado

    Abraço

    ResponderEliminar
  4. Tudo por causa da Pulhitica...
    Pois bem, Ferreiramigo:na 6ªpassada, andando pelo centro da cidade, que não era Lisboa, era Fortaleza-CE, Brasil, a caminho do BB (que em Lisboa tem), encontrei inúmeras velhinhas, sentadas nas calçadas, com uma mão estendida, aguardando a "queda" de uma moedinha, pelo "amor de Deus". Não jogo uma moedinha,ajudo de outra forma. Não vejo diferença, entre as velhinhas fortalezenses e as lisboetas. Tanto as velhinhas daqui, como as velhinhas daí, na miséria, são resultados da Pulhiticagem
    Falta a famigerada "vontade política", para que a vida dessa gente venha a ter dignidade.
    Paro por aqui....
    Abraços
    Lúcia

    ResponderEliminar
  5. Amigo Ferreira ainda não me tinha apercebido deste seu espaço...o da travessa vai continuar?
    É que ontem e hoje tentei lá ir e não consegui aceder...
    Quanto ao texto, simples e bem objectivo...agastada pelo que tenho ouvido da boca dos nossos (des)governantes tenho procurado estar atenta às sentenças que pairam sobre as nossas cabeças...se for para o cadafalso pelo menos sei porquê...rsrsrsrsrs
    Digo-lhe amigo que tenho ficado deveras preocupada com o andamento das coisas...na semana passada à minha porta têm vindo pessoas pedir ajuda...comida para os filhos, dinheiro, roupa...eu só penso que esta é a pobreza ás claras, mas cadê a outra que está disfarçada, envergonhada????
    Lembro-me de visitar idosos em casa (aqui há um tempo no âmbito da minha profissão) e encontrar fome, solidão e desespero...lembro-me dos "meus" velhinhos e penso que eles não vão conseguir sobreviver a isto....diminui-se os recursos na saúde, na educação, etc e quero ver quem cuida desta gente só???!!!
    Sim, já dizia o povo que não se pode fazer omeletes sem ovos!!!
    Muito haverá por dizer, mas ainda vamos conversar muito...
    Abraço amigo

    ResponderEliminar
  6. É a disciplina, nossa força, que causa a nossa fraquesa...Quanto mais nós servimos a Pátria e nos confundimos com ela, mais o nosso coração de homens frágeis tem dificuldade em resistir ao respeito que nos impõe.
    Eis a nossa miséria, que provém da nossa grandeza.
    Eu vos conto: no começo da legislatura anterior o "comandado" por por um "coronel" (sócrates) e por o chefe Supremo (General Cavaco), cheios de medo ambos.O "coronel" fez-se matar na frente da «batalha cor-de-rosa», quando observava, como o "binóculo", as linhas da inimiga TROIKA. Levantou o seu corpo de "gigante" no terreno em plena "batalha da crise", para melhor avaliar a situação. Quando no cemitério davam a sua bravura como exemplo, eu sabia que o infeliz acabava de pagar com "vida" a sua ultima cobardia...O General...esse é agora um "morto vivo"...

    Abraço

    Paulo

    ResponderEliminar
  7. Lúcia

    Neste Mundo desgraçado que os homens (nós todos) têm vindo a destruir impensada ou pensadamente desde que desceram das árvores, as desigualdades são «iguais» por tudo o que é sítio.

    Tentar eliminá-las? É tarefa dificílima; mas, pelo menos, podemos tentar atenuá-las.

    Queijinho

    ResponderEliminar
  8. Céliamiga

    Não se pode realmente fazer omeletes sem ovos. A frase foi dita por um célebre treinador de futebol brasileiro que veio para o Benfica, Otto Glória. E que correu os outros dois grandes e foi o treinador dos Magriços de 66 que ficaram em terceiro lugar no Mundial. Era seleccionador Manuel da Luz Afonso, pai do meu Amigo e colega José Manuel e sogro da Simonetta. Gosto, verdadeiramente, de futebol.

    Como não gosto, decididamente do liberalismo troikista com que o Governo PC/PP nos «brinda». O corte «histórico» na despesa pública parece afectar, pelo menos até à data, a saúde, a educação e na segurança social. O que, no mínimo, é desolador.

    Que fazer perante isto? Nós, os Portugueses, amochamos com muita passividade. Gostamos da canga. E acolhemos o pau e a cenoura sem grande rebuço. É mau; é péssimo.

    Vamos, de acordo estou, continuar a conversar. É assim que a gente se entende; ou deve entender

    Queijinho

    ResponderEliminar
  9. Paulo

    Um destes dias, ainda veremos os lusos - que somos nós, acentuo, nós todos - deitarem umas lágrimas pelo Sócrates. Muitas, serão de crocodilo; outras, porém...

    Quanto a Belém - é um caso perdido. Sua Excelência já não sabe o que fazer. E quando fala, nem entra mosca. Assim vamos, infelizmente... infelizes

    Abração

    ResponderEliminar
  10. Margarida
    Também me toca muito o problema dos idosos. Sempre tocou e, não é por ser idosa (67, quase) que me preocupa mais. Felizmente não tenho problemas. Mas, vejo-os todos os dias. Tenho uma empregada que tem a pensão social mínima, mais uma miserável ajuda para medicamentos, visto ter todas as doenças que, neste país, são "privilégio" dos idosos. Com 70 anos já pouco ajuda mas, deixo-a vir "trabalhar" pois não tenho coragem para lhe tirar a ajuda que lhe dou.
    Temo, sinceramente, o dia em que eu também não o possa fazer. Da maneira que isto está, pensões a baixar, tudo a subir, impostos a crescer, qualquer dia, não terei para mim, nem para ela.
    E isto dói-me, amiga. Porque a estimo, por que sei os problemas dela, porque também eu sou velha.
    Obrigada por ter tocado neste problema.
    Abraço
    Maria

    ResponderEliminar
  11. Ferreiramigo, isto que relatastes aqui no Brasil é incrivelmente igual. Velhos, os governantes não os querem, pois querem suas magras aposentadorias para colocarem em seus bolsos sujos pela corrupção. e fica a certeza, lá como cá, ou em qualquer parte do mundo, político tinha que nascer morto.

    ResponderEliminar
  12. Hoje vou deixar uma dessas pouca vergonhas lá no meu cantinho.
    Revolta, carago!!!
    Um gajo não é de pau.
    Um abraço

    ResponderEliminar